André Luis Pontarolli
Atualmente o Orkut vem se tornando um importantíssimo meio de comunicação e de interação social. As pessoas conversam entre si, criam comunidades e se manifestam, sobre os mais variados assuntos, em tópicos de discussão.
Contudo, o Orkut é público e tudo que nele acontece é acessível aos participantes da “rede orkutiana”. Ao fazer parte do Orkut, uma pessoa pode ver os recados de qualquer outra, assistir e participar do que acontece nas comunidades e, ainda, se manifestar da forma que bem entender.
É um verdadeiro “Big Brother Virtual”, mas não só de amigos e comunidades divertidas é composto o Orkut. Aos poucos a inexistência de privacidade e o excesso de liberdade de expressão estão fazendo com que este sistema seja utilizado como instrumento de atividades criminosas.
Várias situações podem ser citadas:
- Comunidades que propagam o uso de drogas, os ideais nazistas, a violência contra animais e o racismo;- Comunidades que têm a difamação por único objetivo;- Tópicos de discussão em que as pessoas proferem manifestações racistas ou ofensas indignas;- Recados injuriosos ou que contenham, até mesmo, ameaças de morte;- Negociações ilegais.
Neste mesmo sentido, tempos atrás assisti na televisão que algumas pessoas que faziam parte de uma comunidade, referente a certo hospital, estavam sendo investigadas por manifestações racistas; outro dia recebi um e-mail denunciando a existência de uma comunidade denominada “Eu torturo animais”; infelizmente não são poucas as ocorrências.
Ademais, além da existência dos crimes virtuais citados, podem ser encontradas no Orkut conversas e manifestações acerca de crimes que ocorrem ou ocorreram fora da “net”, funcionando o “sistema orkutiano” como fonte de investigação criminal.
A mais triste verdade é que o que era para ser uma rede de amizades está virando caso de polícia. Assim, é de se questionar como as autoridades vão lidar com o que acontece no Orkut e como serão abordadas as questões jurídicas que o envolvem, quais sejam: crimes virtuais (os mais variados possíveis), coleta de provas em investigação criminal, violação do direito fundamental de privacidade, excesso no exercício da liberdade de expressão, colisão de direitos fundamentais, etc.
O presente artigo pretende discutir apenas a questão da coleta de provas em investigação criminal, através do Orkut.
Inicialmente é importante compreender que diversos questionamentos devem ser formulados acerca da questão, para entendê-la melhor, entre eles:
- Teria o Orkut a seriedade necessária para ser utilizado como meio de prova?- Como fica a privacidade da pessoa ao se comunicar pelo Orkut?- Como saber se o crime foi praticado por uma pessoa ou por um “clone virtual” criado por um hacker?- Como diferenciar o que é sério ou brincadeira, nos casos de injúrias ou ameaças?- Como saber em que momento uma pessoa está excedendo o seu direito de se expressar livremente?- Como lidar com as pessoas falsamente criadas ou com os recados anônimos?
É fácil perceber que existem diversos questionamentos a serem respondidos antes de se cogitar a possibilidade de utilização do Orkut como meio de prova na investigação criminal.
As próprias perguntas, mesmo sem respostas, indicam toda a incerteza sobre o que acontece no Orkut. Por tanto, o simples fato, de que não se pode saber se uma pessoa que está se manifestando na rede é ela mesma, revela a fragilidade e insubsistência de uma prova extraída do Orkut.
O mais sensato, a partir do momento em que se verifica que uma prova é incerta, é entender que ela não possui qualquer valor jurídico; pois aceitar uma prova duvidosa é ferir um dos princípios basilares do Processo Penal, qual seja o do in dubio pro reo.
Bem se sabe que não se pode punir alguém sem que haja certeza do cometimento do crime; sendo que uma prova duvidosa, quando aceita, pode provocar tal condenação.
Imagine a possibilidade de alguém, utilizando todos os seus dados, bem como a sua imagem, criar uma conta no Orkut e passar a cometer atrocidades, criando comunidades racistas, proferindo injúrias, ameaçando os outros; e apenas com base nisso você fosse processado criminalmente. Como você se sentiria?
Seria como participar de um verdadeiro “processo kafikiano” aonde a pessoa nem sabe por que está sendo processada.
É de se concluir que, por ser duvidosa ou até mesmo falsamente construída, a prova extraída do Orkut é completamente ilegal, devendo ser rejeitada pelo ordenamento jurídico.
Claro que não é por isso que a impunidade deve prevalecer na “rede orkutiana”, devendo, ao contrário, ser estabelecidos meios, principalmente preventivos, que impeçam a ocorrência dos crimes.
Entretanto, jamais se deve punir alguém sem haver certeza da sua culpa. Voltaire já dizia que é melhor absolver um criminoso do que punir um inocente.
André Luis Pontarolli, Advogado – OAB/PR 38.487