quinta-feira, setembro 06, 2007

O CONTRAN apronta mais uma

Por Antônio Dílson Pereira

As questões de trânsito, pela importância, motivam muitas discussões e debates. Afinal afeta a todos, tem sido causa de violência nas ruas e estradas, a irresponsabilidade dos motoristas tem sido um dos fatores dessa violência, aliada às péssimas condições das estradas, esburacadas, e à falta de fiscalização efetiva, o que preocupa a todos aqueles que têm alguma sensibilidade.
Esses aspectos, por outro lado, também favorecem a que os órgãos encarregados do trânsito cometam muitas asneiras e extrapolem suas atribuições, seja quanto à lavratura de infrações, a indústria das multas, seja no que diz respeito à edição de regulamentos estranhos.
No primeiro caso, registro que pessoa de meu relacionamento recebeu uma notificação, por suposta violação do artigo 185, I, do Código de Trânsito, segundo o qual: “Quando o veículo estiver em movimento, deixar de conservá-lo: I – na faixa a ele destinada pela sinalização de regulamentação, exceto em situações de emergência;”
A notificação, infelizmente, não indica qual a faixa não foi conservada, já que a rua possui três faixas. É evidente que será feita a defesa do motorista.
No segundo caso – edição de regulamentos -, para mim a matéria não é nova, pois à época da edição do Código de Trânsito, escrevi alguns artigos publicados nos jornais de Curitiba abordando o tema, dizia eu num desses artigos, denominado “A deformação do Código”:
“Quando do advento do Código do Trânsito em vigor, tive oportunidade de escrever dois artigos, num deles manifestava minha preocupação com sua implantação, em face de seu rigor e do avanço que representava. Preocupava-me, no outro, com os abusos que seriam cometidos, em face da competência para legislar delegada ao CONTRAN, principalmente para criar novas infrações.
Nessas oportunidades, tinha duas preocupações básicas: a primeira tinha como fundo a possibilidade de o Código não pegar, como ocorre com muitas outras leis em nosso Brasil. Afinal, somos um País fantástico, onde se editam até mesmo emendas constitucionais inconstitucionais, sem falar na edição indiscriminada de Medidas Provisórias; a segunda dizia respeito ao furor com que os órgãos subalternos, ao regulamentarem leis, extrapolam, indo além do que o legislador imaginou.
Minhas preocupações foram confirmadas, com obrigatoriedade do famoso “kit de primeiros socorros”, uma inutilidade que somente favoreceu aos especuladores e aqueles que, valendo-se de algum absurdo da lei, se aproveitam e obtém lucros fáceis.”
Felizmente, o famigerado kit foi para o espaço após a grita da sociedade mas depois dos espertos terem auferidos elevados lucros com a complacência das autoridades. Ninguém recebeu de volta o que pagou pela inutilidade.
Agora, vemos acalorada discussão nos meios de comunicação social sobre outra famigerada Resolução do CONTRAN, aquela que obriga os novos veículos que saírem das fábricas contarem com o GPS, equipamento destinado a facilitar suas localizações. Nessas discussões tem-se opiniões para todos os gostos, os especialistas aparecem, alguns contra e outros a favor, cada um defendendo ponto de vista nem sempre sustentável, mas reveladores dos interesses que defendem. E o debate pende a acirrar-se ainda mais diante do modelo do equipamento aprovado pelo Conselho, segundo consta, o mais caro e inadequado, o que irá onerar ainda mais os consumidores proprietários de veículos.
Observando o debate e para torná-lo mais quente, pude identificar alguns grupos econômicos interessados no assunto, evidentemente, cada um fazendo lobby na defesa exclusiva de seus próprios interesses sem a menor preocupação com o consumidor. Dentre esses grupos, podem ser destacados:
- As montadoras que, segundo foi divulgado, não teriam interesse na implantação do equipamento, afinal no Brasil são roubados por ano mais de 400 mil veículos que precisam ser repostos, uma boa fatia de mercado;
- As seguradoras, as quais, pela lógica, deveriam ter interesse na localização dos veículos roubados, o que, em tese, ajudaria a baratear o custo do seguro. Aqui surge uma indagação: não será mais fácil deixar como está e continuar aumentando os preços do seguro;
- A fabricante do equipamento escolhido, o mais caro, este setor da indústria, então, anda rindo a toa e não poderia ser diferente. Já imaginaram a quantidade de GPS que vai vender, por força de uma simples resolução de um órgão subalterno? Faturamento certo; e,
- Por último, as empresas de que monitoram a circulação de veículos via satélite, ou a empresa que vier a ser escolhida para prestar o “relevante serviço” aos donos de carros, dos quais receberão a ninharia de R$ 200,00 (duzentos reais) por mês por unidade, segundo noticiado por um canal de televisão. Talvez aí esteja um negócio melhor do que o pedágio escorchante que é cobrado no Estado do Paraná. É de pai para filho.
Lamentavelmente, minhas antigas preocupações não eram infundadas, o CONTRAN tem se demonstrado muito diligente em baixar regulamentos, não importa se em desacordo com a lei, o certo é que os baixa.
Assim como a resolução do fracassado kit de primeiros socorros, a sociedade brasileira deve pedir socorro e reagir para derrubar a resolução do GPS, que onerará somente os donos de veículos, os consumidores, os quais não terão condições de repassar os custos. Não se trata de medida protetora dos motoristas e passageiros, em nada melhorará o trânsito ou a segurança, na realidade se trata de um grande negócio envolvendo muito dinheiro e lobbys fortíssimos.
Não se pode esquecer que o equipamento não evitará o furto/roubo de carros e nem diminuirá a violência, pode até piorá-la, isto porque sua função será localizar os veículos após os furtos/roubos.
Vamos à luta para derrubar a malsinada Resolução.

Antônio Dílson Pereira é advogado e professor.
Av. 7 de Setembro, 6843 – Seminário – Fone: (41) 3343-7107
80.240 – 001 – Curitiba-PR.

Impenhorabilidade relativa

Por Antônio Dílson Pereira

Em artigo anterior, alertamos para o fato de que a Lei nº 8.009/90 que instituiu a impenhorabilidade do imóvel residencial da unidade familiar – o que se convencionou chamar de “impenhorabilidade do bem de família” – comportava exceções, algumas delas preocupantes. Isto justifica que se volte ao assunto.
A própria denominação de “impenhorabilidade do bem de família”, com a qual não concordamos, induz a idéia de um respaldo absoluto, o que não é verdade, a impenhorabilidade, neste caso, é relativa, já que a própria lei admite sete exceções.
Por esta razão, é oportuno transcrever o artigo 3º da Lei, onde estão previstas as exceções, verbis: “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III – pelo credor de pensão alimentícia; IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V – para execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casa ou pela entidade familiar; VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”
As exceções previstas nos incisos II, IV e V não animam maiores considerações, uma vez que todas elas estão vinculadas ao próprio imóvel.
Contudo, como já afirmado em artigo anterior, as exceções previstas nos incisos I, III, VI e VII merecem atenção especial.
No caso do inciso I, créditos decorrentes da relação de trabalho doméstico, pela própria natureza desse tipo de prestação de serviços, onde existe elevado grau de confiança e de intimidade entre empregado e patrão, este nem sempre adota as precauções necessárias a resguardar seus interesses futuros.
A previsão do inciso III, infelizmente, ainda é desconhecida daqueles que atuam na área de família e, às vezes, se vê diante de um contumaz devedor de pensão alimentícia que sempre alega falta de condições para pagar ou de bens capazes de garantir o crédito alimentar. Assim como, daqueles que obtém pensão mensal em decorrência de ato ilícito. Neste aspecto, traz-se à colação julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, cuja ementa encontra-se assim lavrada: “Processo Civil – Execução de sentença – Embargos – Apelação – Inépcia inexistente – A penhora – Bem de Família – Credor de pensão alimentícia – Ato ilícito – Impenhorabilidade afastada. O apelo não é inepto quando o recorrente deduz, de forma concisa, as razões de seu inconformismo. O bem de família pode ser submetido à penhora quando objetiva satisfazer condenação decorrente de ato ilícito oriundo de acidente de trânsito, no qual se arbitrou o pagamento de pensão mensal. Inteligência do art. 3º, III, da Lei nº 8.009/90. Preliminar rejeitada e recurso não provido.” (Repertório de Jurisprudência IOB – nº 2/2005, 2ª Quinzena de janeiro/2005).
No corpo do acórdão, o Ilustre Relator, Juiz Alberto Vilas Boas, além de trazer precedente do Superior Tribunal de Justiça, acórdão proferido no REsp nº 437.144-RS, cujo Relator foi Eminente Ministro Castro Filho, faz o seguinte registro: “A regra do art. 3º, III, da Lei nº 8.009/90 deve, portanto, sofrer interpretação construtiva, de modo que o credor de pensão alimentícia, tanto na esfera do direito de família, como no campo da responsabilidade civil decorrente de acidente de trânsito ou ato equivalente, possa agredir o patrimônio do devedor, ainda que o único bem que possua seja imóvel residencial.”
As hipóteses do inciso VI é uma garantia para o Estado na busca de reparação de danos causados ao erário e conseqüente enriquecimento do agente. Acho que vem sendo utilizada com timidez, principalmente, pelo Ministério Público. Da mesma forma que representa uma garantia para aqueles que obtiveram uma sentença condenatória de ressarcimento ou perdimento de bens. A regra, por sua importância, deve ser considerada por aqueles agentes responsáveis pela reparação dos danos causados ao poder público e por aqueles que tenham alcançado uma sentença condenatória de ressarcimento ou de perdimento de bens.
Há poucos dias, empresário de Curitiba foi condenado a pagar certa quantia para ressarcir os prejuízos causados aos clientes lesados por sua empresa. É um bom começo, vamos estimular essa prática. Afinal, o bolso é a parte mais sensível do corpo humano, como diz o ditado popular. E não existe pena mais eficaz a ser aplicada àqueles que colocam como único objetivo de vida acumular riquezas, mesmo que lesando terceiros.
Já a previsão do inciso VII deve servir de alerta às pessoas que, muitas vezes, são induzidas a prestarem fiança por razões de foro íntimo ou emocionais, porque as conseqüências são danosas. Já que, mesmo a lei permitindo a penhora do imóvel residencial da família do fiador quando o afiançado não cumpre suas obrigações locatícias, a sub-rogação que se opera em relação ao fiador, não permite a este penhorar o imóvel residencial do locatário. Pode parecer injusto, mas é tecnicamente correto esse entendimento.
Esta impossibilidade ocorre porque o sub-rogado somente recebe os direitos que o sub-rogante possuía em relação ao afiançado, dentre os quais não se encontra o de penhorar imóvel residencial do locatário.
Este entendimento, que vem sendo esposado pelos tribunais, mesmo que tecnicamente correto, afigura-se injusto, pois legitima o enriquecimento ilícito do afiançado, caso ele não disponha de outros bens suficientes a satisfazer o débito decorrente da locação, colocando o fiador em situação vulnerável e frágil.
Para encerrar, permitimo-nos lembrar comentário jocoso que fazemos em sala de aula: a citação do garantidor para pagar dívida decorrente da prestação de aval ou de fiança ocorre nas ocasiões menos propícias, como: vésperas de festa de 15 anos ou de casamento de filha, vésperas de festas natalinas ou de viagem de férias há muito programada.
A esta brincadeira, acrescentamos uma sugestão: resista o máximo prestar aval ou fiança, mesmo que para tanto seja necessário utilizar princípios religiosos, profissionais, medo da mulher ou do marido, vale até dizer que teme a reação da sogra, porque as obrigações assumidas pela prestação de aval e de fiança fogem ao controle do seu garantidor.
Isto faz lembrar um amigo já falecido, antigo advogado da CEF, Dr. Adolar Fernandes França, que afirmava ter desenvolvido sua capacidade de dizer não e, com a maior tranqüilidade, sem o menor constrangimento recusava-se a prestar aval e fiança.

Antônio Dílson Pereira é advogado e professor.
E-mail: dilson.pereira brturbo.com.br