Por Antônio Dílson Pereira
Em artigo anterior, alertamos para o fato de que a Lei nº 8.009/90 que instituiu a impenhorabilidade do imóvel residencial da unidade familiar – o que se convencionou chamar de “impenhorabilidade do bem de família” – comportava exceções, algumas delas preocupantes. Isto justifica que se volte ao assunto.
A própria denominação de “impenhorabilidade do bem de família”, com a qual não concordamos, induz a idéia de um respaldo absoluto, o que não é verdade, a impenhorabilidade, neste caso, é relativa, já que a própria lei admite sete exceções.
Por esta razão, é oportuno transcrever o artigo 3º da Lei, onde estão previstas as exceções, verbis: “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III – pelo credor de pensão alimentícia; IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V – para execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casa ou pela entidade familiar; VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”
As exceções previstas nos incisos II, IV e V não animam maiores considerações, uma vez que todas elas estão vinculadas ao próprio imóvel.
Contudo, como já afirmado em artigo anterior, as exceções previstas nos incisos I, III, VI e VII merecem atenção especial.
No caso do inciso I, créditos decorrentes da relação de trabalho doméstico, pela própria natureza desse tipo de prestação de serviços, onde existe elevado grau de confiança e de intimidade entre empregado e patrão, este nem sempre adota as precauções necessárias a resguardar seus interesses futuros.
A previsão do inciso III, infelizmente, ainda é desconhecida daqueles que atuam na área de família e, às vezes, se vê diante de um contumaz devedor de pensão alimentícia que sempre alega falta de condições para pagar ou de bens capazes de garantir o crédito alimentar. Assim como, daqueles que obtém pensão mensal em decorrência de ato ilícito. Neste aspecto, traz-se à colação julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, cuja ementa encontra-se assim lavrada: “Processo Civil – Execução de sentença – Embargos – Apelação – Inépcia inexistente – A penhora – Bem de Família – Credor de pensão alimentícia – Ato ilícito – Impenhorabilidade afastada. O apelo não é inepto quando o recorrente deduz, de forma concisa, as razões de seu inconformismo. O bem de família pode ser submetido à penhora quando objetiva satisfazer condenação decorrente de ato ilícito oriundo de acidente de trânsito, no qual se arbitrou o pagamento de pensão mensal. Inteligência do art. 3º, III, da Lei nº 8.009/90. Preliminar rejeitada e recurso não provido.” (Repertório de Jurisprudência IOB – nº 2/2005, 2ª Quinzena de janeiro/2005).
No corpo do acórdão, o Ilustre Relator, Juiz Alberto Vilas Boas, além de trazer precedente do Superior Tribunal de Justiça, acórdão proferido no REsp nº 437.144-RS, cujo Relator foi Eminente Ministro Castro Filho, faz o seguinte registro: “A regra do art. 3º, III, da Lei nº 8.009/90 deve, portanto, sofrer interpretação construtiva, de modo que o credor de pensão alimentícia, tanto na esfera do direito de família, como no campo da responsabilidade civil decorrente de acidente de trânsito ou ato equivalente, possa agredir o patrimônio do devedor, ainda que o único bem que possua seja imóvel residencial.”
As hipóteses do inciso VI é uma garantia para o Estado na busca de reparação de danos causados ao erário e conseqüente enriquecimento do agente. Acho que vem sendo utilizada com timidez, principalmente, pelo Ministério Público. Da mesma forma que representa uma garantia para aqueles que obtiveram uma sentença condenatória de ressarcimento ou perdimento de bens. A regra, por sua importância, deve ser considerada por aqueles agentes responsáveis pela reparação dos danos causados ao poder público e por aqueles que tenham alcançado uma sentença condenatória de ressarcimento ou de perdimento de bens.
Há poucos dias, empresário de Curitiba foi condenado a pagar certa quantia para ressarcir os prejuízos causados aos clientes lesados por sua empresa. É um bom começo, vamos estimular essa prática. Afinal, o bolso é a parte mais sensível do corpo humano, como diz o ditado popular. E não existe pena mais eficaz a ser aplicada àqueles que colocam como único objetivo de vida acumular riquezas, mesmo que lesando terceiros.
Já a previsão do inciso VII deve servir de alerta às pessoas que, muitas vezes, são induzidas a prestarem fiança por razões de foro íntimo ou emocionais, porque as conseqüências são danosas. Já que, mesmo a lei permitindo a penhora do imóvel residencial da família do fiador quando o afiançado não cumpre suas obrigações locatícias, a sub-rogação que se opera em relação ao fiador, não permite a este penhorar o imóvel residencial do locatário. Pode parecer injusto, mas é tecnicamente correto esse entendimento.
Esta impossibilidade ocorre porque o sub-rogado somente recebe os direitos que o sub-rogante possuía em relação ao afiançado, dentre os quais não se encontra o de penhorar imóvel residencial do locatário.
Este entendimento, que vem sendo esposado pelos tribunais, mesmo que tecnicamente correto, afigura-se injusto, pois legitima o enriquecimento ilícito do afiançado, caso ele não disponha de outros bens suficientes a satisfazer o débito decorrente da locação, colocando o fiador em situação vulnerável e frágil.
Para encerrar, permitimo-nos lembrar comentário jocoso que fazemos em sala de aula: a citação do garantidor para pagar dívida decorrente da prestação de aval ou de fiança ocorre nas ocasiões menos propícias, como: vésperas de festa de 15 anos ou de casamento de filha, vésperas de festas natalinas ou de viagem de férias há muito programada.
A esta brincadeira, acrescentamos uma sugestão: resista o máximo prestar aval ou fiança, mesmo que para tanto seja necessário utilizar princípios religiosos, profissionais, medo da mulher ou do marido, vale até dizer que teme a reação da sogra, porque as obrigações assumidas pela prestação de aval e de fiança fogem ao controle do seu garantidor.
Isto faz lembrar um amigo já falecido, antigo advogado da CEF, Dr. Adolar Fernandes França, que afirmava ter desenvolvido sua capacidade de dizer não e, com a maior tranqüilidade, sem o menor constrangimento recusava-se a prestar aval e fiança.
Antônio Dílson Pereira é advogado e professor.
E-mail: dilson.pereira brturbo.com.br
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